Fundada por Dina Moreira, também diretora criativa, a Hand Lace apresentou a coleção “Pé no Chão” na última edição do DFB Festival, realizado em Fortaleza. Leia abaixo entrevista exclusiva com a estilista:
Como foi para você a volta aos desfiles presenciais depois de dois anos?
Foi nossa segunda vez na passarela, porém, com gostinho de primeira. O convite de Claudio foi recebido com muita alegria e um sentimento de renovação. Me senti confiante e grata por ter chegado até aqui, por não desistir nos momentos difíceis, por ter minha irmã ao meu lado e, juntas, incansavelmente, sempre achando uma solução para manter os empregos da nossa equipe.
Esse período que passamos tivemos que nos reinventar. Juntamente com o Luís Morais (meu marido) produzimos material de campanha durante vários meses no apartamento em que morávamos em São Paulo. Criando cenários diversos e utilizando o que estava ali ao nosso alcance. A coleção também traz um pouco desse período.
O que inspirou você ao criar esta coleção apresentada no DFB Festival?
Propósito. Essa palavra vinha em minha mente sempre que eu pensava no que apresentar na passarela. Estou em um momento de busca, de questionamentos, de tentar entender meus dons e minha missão. Queria levar mais do que uma coleção de roupas.
Eu não tinha muito tempo, e, para mim isso sempre é uma grande questão. Então me veio um questionamento: como eu construí a identidade da Hand Lace? De onde vem esse emaranhado de manualidades? A inquietação por algo que me faça sair do meu quadrado?! Lembrei de uma fala de dona Jô, uma amiga que o chão de fábrica me presenteou. Ela sempre falava que eu parecia ter 50 anos e não 19. Claro que isso faz muitos anos.
A lembrança da fala de dona Jô me fez viajar na minha infância. Nasci no interior do Ceará, na região do Sertão Central, onde experimentei sensorialmente muitos sabores, texturas, cores, temperaturas. A inspiração veio deste lugar que pode ser encontrado geograficamente, mas que também é subjetivo, pois está marcado em memórias íntimas.
Como foi o processo de criação da coleção?
Eu moro em são Paulo há 3 anos, mas fazendo ponte aérea com Fortaleza, onde a minha irmã, Erica Moreira, ficou no comando da maior parte do trabalho duro de nossa fábrica e loja. Em SP eu cuidava da criação com assistência do meu primo Dimas, e de toda identidade visual da Hand Lace, em parceria com meu marido Luís Morais, ele é o fotografo oficial e assina todas as campanhas.
Quando tomamos a decisão de participar do DFB, peguei o primeiro voo que consegui para Fortaleza, eu precisava me reunir com minha irmã, neste encontro nós imergimos em nossa história e selecionamos as referências que tinham sentido para nós. A partir disso, retornei a São Paulo onde iniciamos este projeto desafiador.
O processo de criação foi superdinâmico e especial, penso que o desenvolvimento é semelhante ao processo de maturação de um fruto, cada croqui criado tem o seu momento de evolução e ser externalizado. A criação acontece durante todo o processo de desenvolvimento, nesse momento não há limites para as experimentações, sou uma pessoa tátil, gosto de sentir as peças em suas fases do processo.
O vestido Pote foi uma das peças mais instigantes dessa coleção, ele traz uma silhueta que foge do convencional, com bastante volume no quadril, seguindo os contornos do pote. Fiz a modelagem utilizando técnicas de Moulage. Produzi muito durante a madrugada e não tinha os materiais apropriados. Tive de encontrar soluções como preencher todo o volume do quadril com objetos que estavam ali a minha volta, dos mais variados possíveis, até chegar na forma que eu idealizei.
Foram incontáveis processos de faze e refazer, mas a satisfação e alegria de ver a peça pronta e perfeita, é um sentimento singular. Foram dias e noites intensas, literalmente até o último minuto. Cada peça da Coleção “Pé No Chão”, tem uma história, cada tecido, cores e formas tem um significado. Contar minha história através do desfile foi gratificante.
Quais foram as técnicas e tecidos usados nesta coleção?
Com espelhamento ressignifiquei as dobraduras dos tapetes de retalhos de vó Davina; utilizei cordões de algodão encapados com linho entrelaçados fazendo alusão às cercas de arames do Sertão. Sobreposição de sobras de tiras para representar a chuva. A técnica de moulage permeia maior parte da coleção. Fiz uso de estruturas com barbatanas para toda família Pote; aplicação e vazados manuais de tiras de linho; costuras manuais para estruturas internas.
O que você já tem em mente para a próxima coleção?
Continuar a história! Na semana do desfile eu estava no meu melhor momento de criação. A coleção estava começando a amadurecer. Agora quero criar peças mais pesadas na temática. Quero trabalhar peças com a forma de pote com uma modelagem mais over. No sertão da minha criança ainda há muitas memórias para serem costuradas.
Fonte: Harper´s Bazaar