Por Erika Gottsfritz, colunista Fashion Revolution*
Não dá para negar: na configuração social contemporânea a moda é mais do que apenas uma atividade econômica (ou pelo menos deveria ser). Atrelada a valorização do novo e a um sistema de ritmo fugaz, essa indústria é inegavelmente vista como a filha queridinha do Capitalismo. Mas será que continuará sendo?
Para início de conversa faz-se necessário um adendo extremamente importante: a moda não depende do Capitalismo para existir. Mas sem dúvida alguma, apropria-se dele. Circunscrita a uma sociedade de consumo que cada vez ganha mais forças e deslumbra-se ao som de novas tecnologias, observamos a moda constantemente recriar o tal do pensamento capitalista a sua imagem e semelhança. Plena coincidência? Nem de longe!
Sob vetores sociais contemporâneos que incluem a obsolescência do novo, o domínio das imagens, o predomínio do espetáculo em detrimento da produção e a valorização massiva dos objetos de consumo, vemos a moda sem dúvida alguma, costurar seu ritmo industrial sob a prevalência do pensamento econômico vigente. Mas mais do que isso: ganhar força (e culpa) em meio a um sistema que coloca o novo como uma condição implícita.
Por isso, antes de querer superar qualquer lógica econômica-social que a sustente, faz-se necessário entender a sociedade como um todo, a atual cultura do descarte, o culto à novidade e o dualismo existente entre consumo e prazer.
O Novo como uma condição implícita
Há na modernidade um diálogo constante entre o tradicional e o novo, entre o pessimismo e o otimismo, a confiança no homem e o descrédito na humanidade, a valorização da individualidade e a busca constante pela identificação com a massa. Em outras palavras, em meio a uma nítida ambiguidade cotidiana vemos o dia a dia acontecer.
E é justamente nessa ambiguidade, ou melhor dizendo, explícita antítese que observamos o novo surgir e consequentemente desaparecer. Com a rápida troca de informações e uma humanidade que se acostumou com o ritmo (diga-se de passagem, desumano) da industrialização, vemos o elemento da novidade se constituir como a peça-chave e elemento primordial da atual dinâmica social.
Ou seja: vivemos na era da cultura do descarte, nos tempos da efemeridade do viver. E no século do culto constante – e cego – a novidade. Nesse sentido, mais do que falar e repensar a necessidade de novas modas, aqui há espaço para repensar novos modos, consumo e até mesmo prazer.
Consumo e Prazer
Quando falamos do simples ato de consumir, não estamos falando de um ato tão simples assim, ainda mais na sociedade de consumidores em que vivemos. Nesse cenário, escolhas básicas são revestidas de signos complexos que vão de pertencimento social e autoimagem a autoexpressão.
Segundo Harvie Ferguson a noção de desejo liga o consumo a estes elementos, assim como as noções de gosto e discriminação. Ou seja, indivíduo expressa a si mesmo através de suas posses. O motivo? Todo o imaginário social contemporâneo se constrói por meio do ver, e consequentemente do possuir. De maneira mais profunda podemos dizer que isso ocorre porque a inatingibilidade das imagens diviniza e transfere de forma indefinida os desejos para as coisas, transformando assim a compra e os objetos de consumo em sujeitos de toda ação.
Em meio a toda esta realidade, podemos dizer que sujeitos-consumidores têm como impulso o desejo inabalável por mercadorias revestidas de mensagens, símbolos e vínculos. Elementos os quais até poderiam passar despercebidos, mas que correlacionam o consumo a um ato de prazer. E de onde surge essa correlação? A resposta é simples: Da publicidade e do marketing que difundem um corpo simbólico, uma teia densa de significados, manipulando assim, mitos e imagens, difundindo o imaterial em algo concreto (e pior) comprável.
Dessa forma comprar é ação matriz de todo sujeito consumidor. Mas não somente isso. Na realidade capitalista em que vivemos, a mercadoria em suas diversas apresentações se constitui como a ponte de acesso ao mundo, e o comprar um meio para o viver. Tendo isso em mente, faz-se necessário um questionamento: apenas mudar a indústria da moda (apontada por tantos anos como a filha fugaz e querida de um Capitalismo que é sim parasitário) seria o suficiente?
Para além do Capitalismo
A resposta é clara e de fácil compreensão: Não, não seria. Mas continuar submetendo a lógica econômico-social da moda a todo esse frenesi também não. Por isso faz-se necessário pensar modelos para além do Capitalismo, os quais repensam o problema, e ainda que minimamente, se tornam solução.
Dentre estes modelos encontra-se a economia circular. Mais do que um aperfeiçoamento do sistema econômico atual, esse modelo repensa o uso de recursos naturais, otimiza processos de fabricação, prioriza insumos mais duráveis, recicláveis e até mesmo renováveis.
Segundo a Organização Internacional de Normalização (ISO) trata-se de “um sistema econômico que utiliza uma abordagem sistêmica para manter o fluxo circular dos recursos, por meio da adição, retenção e regeneração de seu valor, contribuindo para o desenvolvimento sustentável”.
Dentre as principais características desse modelo podemos apontar: maximização da reutilização, aumento da eficiência no desenvolvimento de processos, minimização da extração de recursos etc. Apelos extremamente positivos quando o assunto é a fabricação. Mas nem tanto quando é consumo e a vigência de toda aquela lógica que diariamente vemos em ação.
Ou seja: é cada vez mais urgente repensar e reestruturar a lógica econômico social em que viemos. Mas não somente isso. É somente refletindo nas ações da humanidade como um todo que poderemos efetivamente mudá-la e salvá-la. E olha que a sustentabilidade nem entrou em pauta.
Sobre a autora:
Erika Gottsfritz — Graduanda em Design de Moda e futura socióloga. É co-fundadora e editora do projeto de comunicação de moda independente Trameiras e colunista nas horas vagas. Leva a arte como uma filosofia, a leitura como sua terapia e adora tramar sobre o mundo lá fora.